Entre as atividades clínicas do Lugar de Vida, a Oficina de Música e Artes Visuais é um recurso de tratamento com efeitos terapêuticos na forma de um dispositivo de grupo, para diferentes crianças. Assim como nos grupos terapêuticos, o Lugar de Vida aposta na capacidade das crianças com dificuldades na interação social de ajudarem umas às outras, recriando realidades subjetivas e realizando trocas terapêuticas entre si. Além disso, a oficina apresenta particularidades por trazer ofertas de cultura via linguagens artísticas.
A arte entra em cena como uma ferramenta potente que possibilita à criança achar uma forma singular de se dizer e de entrar no laço social, permitindo que acesse uma nova linguagem (da arte gráfica e teatral, da pintura, escultura, música e da dança) que a auxiliará a dar forma ou organizar sua imagem corporal, ou ainda, a comunicar o que se passa consigo mesma.
Percebemos que as diferentes formas de arte têm um poder único de despertar o interesse, a curiosidade e o encantamento das crianças. Para nós é importante que as crianças se impliquem subjetivamente nas diferentes propostas trazidas nas oficinas, já que nesses momentos elas mostram aquilo que é único do seu modo de ser.
O trabalho manual associado ao fazer artístico envolve uma relação com o material em que aos poucos os movimentos e as partes do corpo ganham forma. Quando se trabalha com o corpo inteiro é preciso primeiro usar os sentidos em um raciocínio mais sensorial, para entender a relação desse objeto consigo mesmo. Depois, faz-se necessário entrar no campo da linguagem, no qual o que foi capturado do externo ganhará significados simbólicos. Assim, um raciocínio formal e conceitual entrará em ação, permitindo que a criança transforme esse material, desenvolvendo um trabalho artístico.
Esse caminho de sucessivas traduções, que passam do saber ler o externo para interpretá-lo e transformá-lo, é muito importante para o desenvolvimento psicomotor. E os raciocínios envolvidos em atividades visuais são importantes em outras tarefas, como aprender a ler e escrever, que estão muito associadas a imagens e códigos.
Nas artes há um raciocínio específico de criação. Tanto para o seu entendimento quanto para o seu fazer é preciso questionar e buscar sentidos e significados. No contato com a arte, as crianças ganham autonomia ao aprenderem a buscar respostas e saídas em suas próprias experimentações.
Com a música, trabalhamos a dimensão da escuta com as crianças. Escuta de si e dos outros, que exercitamos tocando instrumentos, vocalizando, cantando e descobrindo novos sons com o nosso corpo. Podemos, com atividades musicais, aprender a escutar o outro enquanto somos reconhecidos em nosso próprio lugar de enunciação. Cada um tem uma voz singular, única, que pode ser escutada e valorizada pelo grupo sem ser submetida ou anulada por nenhuma outra.
A música não depende da palavra, mas é um outro modo de introduzir a palavra oral na vida da criança. Canções, jogos e brincadeiras musicais trazem a palavra cantada, que soa diferente, está ligada a outras emoções e pode construir uma ponte muito interessante para a fala.
Apostamos na oficina também porque é algo que fazemos juntos. Sendo as artes linguagens de troca, a partir delas promovemos encontros, brincadeiras, diálogos e construímos novos caminhos para cada um e para o grupo. Caminhos que às vezes se unem, às vezes se separam, mas muitas vezes se constroem em conjunto. As linguagens artísticas recriam relações e desenvolvem (ou simplesmente possibilitam vir à luz) novas potencialidades em cada criança. Deste modo, apostamos que a Oficina do Lugar de Vida pode ter um efeito positivo na qualidade do laço social estabelecido pelas crianças.
Os encontros são idealizados não com um currículo pronto e fechado, mas como uma prática construída conjuntamente entre os profissionais e os participantes. Enxergamos o valor das explorações e experimentações de cada um: as temáticas dos encontros têm origem tanto em propostas elaboradas pelos oficineiros quanto nas contribuições que cada criança traz, levando assim em consideração a singularidade e interesse de cada uma, possibilitando trocas e a construção de um saber conjunto.